BATeria, Atenção, Concentração !!!
Lembro como se fosse hoje. Era um garoto quando o Brasil entrou na guerra. Faz muito tempo, a manhãzinha ainda escura, o Grupo pronto para iniciar o deslocamento por via férrea para o Cais do Porto. Como Velho Artilheiro a cada 16 de setembro faço questão de voltar ao histórico quartel. Da minha posição privilegiada contemplo a tropa pronta, e diante dela no pátio a minha peça, que guarneci em terras distantes e geladas. O mesmo obuseiro M1A2 105mm daquele longínquo set 1944, quando recebemos pelo radio da Bateria o comando para disparar o primeiro tiro da Artilharia brasileira na Itália.
Explosiva Carga 5 Espoleta Instantânea!
Vejo a minha volta antigos irmãos de armas, neste dia eles sempre reaparecem, aqui estão. Falta pouco para as 1422, quando a nossa Linha de Fogo cumpriu a ordem de tiro, com o Sargento Lima, Chefe de Peça. O sol está forte, bem diferente daquela tarde na Itália. A legenda Monte Bastione, o mesmo nome do Grupo, está inscrita no anteparo da peça, a relembrar o sítio onde pela primeira vez entramos em posição. O tempo não conseguiu apagar as recordações, ainda lembro a viagem de navio, onde nós homens livres navegamos para terras distantes, para defender a democracia, a igualdade entre as nações. O caminho inverso daquele feito pelos meus antepassados. O homem branco mau os arrancou da aldeia perdida no Continente Negro distante, na extensa planície aonde os piratas chegavam.
Centro por um bateria por meia dúzia!
A voz do locutor entrecorta meus pensamentos. Aproxima-se o instante em que será acionado o disparador, recordando como desencadeamos sobre o inimigo nazista o poder do raio e do trovão, como os comandados de Mallet o fizeram na
Campanha do Paraguay.
Deriva 2800 elevação 357!
Sob a proteção da nossa Augusta Padroeira Santa Bárbara, a guerra estava começando. Estávamos em ação. No sopé do Monte Bastione um vento gelado já prenunciava os rigores do inverno que vinha chegando.
Fogo !!!
Exatos 1422. O eco do disparo ressoa em meio ao vale, enquanto a fumaça branca se dispersa levada pelo vento de Jurujuba. Penso nos irmãos de armas que não voltaram. Não existe consolo, mas suas almas se elevaram pela certeza de que um mundo melhor passaria a existir. Trago comigo as historias dos meus bisavós, há mais de 2 séculos lançados numa viagem incrível para o desconhecido, onde com o suor do próprio rosto ajudaram sem reconhecimento a construir uma grande nação, até que a Princesa Isabel extinguiu a mácula que empanava nossa cidadania.
A solenidade terminou. Devo retornar, com a esperança de no próximo ano aqui estar aqui mais uma vez; Eu, um Velho Artilheiro cumpri o meu dever, honrando a memória da nossa gente. Simplesmente fui um soldado – do Exercito de Caxias – da Artilharia de Mallet.
Peça Atirou!!!
O locutor anuncia o encerramento da solenidade. Os convidados já se dirigem para a confraternização no Salão Nobre do 21º. GAC. A Banda de Música da AD/1 executa vibrante o Hino Nacional Brasileiro. A Bandeira Nacional tremula embalada pelo vento que vem do mar, no mastro mais alto dominando a paisagem. Apenas um ou outro sensitivo percebeu que havia mais alguém presente além dos convidados.
O Cabo Atirador Adão Pereira da Rosa, que há exatos 69 anos acionou a peça que disparou o 1º. Tiro da FEB na Itália retorna mansamente aos Jardins do Éden, em meio a um suave clarão ao longe, fazendo as folhas das árvores farfalharem, como se agitadas por ligeiro redemoinho…. Velhos Soldados… Nunca Morrem … [ii]
O Velho Artilheiro, por Israel Blajberg
Portal FEB